Um conto por Márcia Vieira Ávila
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— Anda brincar Maria. Jogar à apanhada. — Grita lá do fundo, João, o único amigo que Maria guardava naquela aldeia.
— Eu não posso correr, já te disse mil vezes. Parece impossível que não ouças nada do que te digo. — Ripostava a frágil menina da cidade.
Os rapazes são assim. Só querem correr sem parar. Nunca olham para trás, nem nos perguntam se temos forças para continuar.
Mas desta vez era diferente. João sabia perfeitamente que a sua amiga sofria de uma doença degenerativa e por isso não se podia magoar. Muito menos correr sem olhar por onde punha os pés tal como ele próprio fazia.
Antes de irem passar as férias de verão à aldeia ambos os pais explicaram aos respectivos filhos exactamente o que podiam ou não podiam fazer nas brincadeiras. O que os pais não sabiam era que nem escutados eram. Se por um lado Maria não queria aceitar o diagnóstico e as condições impostas para a alta médica, por outro lado João, era o único que a compreendia para lá de qualquer distância até à cidade grande onde ela morava e que lhe tinha dado aquela doença. Assim pensava o menino que vivia livre a correr pelo monte entre os chaparros enquanto a sua amiga o esperava pacientemente no alpendre de madeira mesmo em frente à porta da frente.
Maria sabia que quando João gastasse toda a energia naquelas corridas malucas, ele lhe iria trazer um ramo de flores silvestres acabadinhas de apanhar. E inevitavelmente, entre silvas e ortigas e de dedos picados e assanhados, lá regressava ele suado e de franja colada à testa, mas de braço estendido só verbalizando um — “toma sua chata, apanhei para ti e agora tenho a pele irritada”.
E ela ria-se, por saber que aquele jeito era tão característico dos meninos da terra e por saber que era peta a dor que ele fingia sentir nos pequenos dedos apanhadores de tulipas e malmequeres.
Os anos passaram. Maria continuava a ir passar os verões ao Alentejo e João sempre a presenteara com flores. Dia após dia, umas apanhadas pelo caminho entre o centro histórico onde morada e o casarão no monte onde Maria ficava com a Avó. Outras roubadas dos jardins ou quintais por onde passava e outras ainda esgaçadas do roseiral junto ao portão magistral do monte.
Ano após ano, a menina passava de ficar só sentada no alpendre, para se mover a moletas, para se mover de andarilho, para aparecer desde o ano passado de cadeira de rodas.
João ficava triste somente por não a conseguir levar a passear até ao ano passado. Apesar de saber que seria esse o destino da sua melhor amiga, eles sabiam que agora podiam passear pela vila, pelos campos.
— Basta que me empurres na cadeira. — Ripostava a menina agora mulher e assentia o menino rapaz ainda apaixonado pela mesma alegria e brilho no olhar sempre que lhe oferecia uma flor. Mesmo que roubada de uma qualquer varanda por onde passassem.
Sempre juntos. Como até aqui.
